top of page
Foto do escritorAmara Hartmann

Compartilhamento de Processo: Prenda Clarissa | UMA DAS MARIAS

Atualizado: 14 de set.

O Prenda Clarissa nasceu durante a pandemia. Eu costumo dizer que meus projetos, ou minhas histórias, vão procurando maneiras de sair de dentro de mim, como se fossem buscando uma forma que melhor se encaixe: áudio, vídeo, áudio e vídeo, texto, peça... Esse projeto nasceu como um monólogo teatral e acabou fazendo sua entrada no nosso curta, o “Uma das Marias”.

 

Foto: Cora Credidio


A Prenda, que leva o nome de um tipo de borboleta – e já traz em si essa metáfora do voo, de querer voar -, personifica diversas questões muito pessoais minhas: minha relação com a alimentação e meu peso (temas até hoje trabalhados na terapia), relações familiares e amorosas, e como eu encontrei na bulimia, uma maneira de sair. Ou de voar.

 

É o projeto que, sem dúvida nenhuma, mais me despe e mais diz respeito a minha vivência. Não busco nem nunca busquei esse tipo de arte, que não dialoga com o os outros, mas admito que estamos em um momento em que a autobiografia faz sentido e faz sentido porque às vezes só faz. Apenas aquela singela identificação, de que não estamos sozinhos no mundo, de que compartilhamos inquietações e sentimentos com outras pessoas, já é o sentido.

 

Foi percorrendo esse caminho, de pensar o que em mim dialoga com o todo – do micro pro macro – que acompanhei o caso de uma pessoa próxima que também não conseguia comer. Até hoje não se sabe por que, mas essa pessoa passou semanas sem conseguir ingerir alimentos. Ao ver essa situação, como uma identificação das minhas próprias questões alimentares, me deparei também com a situação da família: como ajudar? Como resolver? O que fazer? Internar?

 

Do micro pro macro.


Foto: Cora Credidio


A internação compulsória e o Juquery, assim como a reforma antimanicomial, me atropelaram – como sempre me atropelam quando eu me pego pra pensar sobre o assunto. Vi, nessas pequenas questões familiares, muitas vezes até secretas, a diferença que uma política pública pode fazer. Senti que falar de mim podia sim fazer diferença.

 

A personagem Prenda Clarissa sou eu, é essa pessoa, são as várias pessoas que foram internadas no Juquery, é a minha avó que trabalhou a vida inteira nesse lugar, é uma borboleta frágil que só quer sair de si mesma.

 

Acabou fazendo sentido.

 

E acreditamos, nós como produtoras do curta “Uma das Marias”, que essa narrativa meio torta, curiosa, e que talvez não tenha nada a ver pra quem vê superficialmente (mas tem tudo a ver pra quem conhece o processo de pesquisa) faz sentido. Faz sentido porque temos que dar voz pras pessoas, voz pra nós mesmos, e principalmente, voltar a pergunta que me fez escrever o Prenda Clarissa em primeiro lugar:

 

O que em mim faria com que quisessem me internar no Juquery? O que me torna louca?


Foto: Cora Credidio


Por um bom tempo me senti desconfortável ao interpretar o papel. Como se não coubesse em mim. Como se ninguém se interessasse. Como se meus problemas mais íntimos não merecessem estar num palco.

 

Foi aí que a Paloma insistiu que fazia sentido, que esse movimento de algo muito pessoal que reverbera na nossa sociedade como um todo é importante. Voltar a me reencontrar com a Prenda, anos depois da pandemia, me fez ter compaixão por ela. Quase pena. Coitada. Ela só queria não ser um problema, não ser uma questão, mas ela não se encaixa. Ela não faz sentido. Ela caminha contra a multidão. Ela não tem escolha. Porque o que ela faz com ela mesma, com o corpo dela, afeta o outro. Essa é a história das mulheres, afinal de contas, não é?

 

Com a possibilidade de reerguer o espetáculo, acabei descobrindo que o sentido está no olhar do outro sobre ela. E que isso já basta. Às vezes a gente busca um grande sentido, uma coisa magnânima, espetacular, quando, na verdade, de acordo com a Teoria do Caos, um bater de asas de uma borboleta no Brasil pode causar um tsunami no Japão.

Comments


bottom of page