Documentário revela história familiar que habita contexto do Juquery
Publicada em 13/08/24 - 23:52h via Portal Uai Notícias
O Hospital Psiquiátrico do Juquery foi uma das mais antigas e maiores instituições psiquiátricas do Brasil, localizada no Complexo Hospitalar do Juquery, em Franco da Rocha, São Paulo. Foi criado em 1898 e chegou a abrigar 18 mil pacientes. Por meio de entrevistas, performance, ensaio, o curta-metragem documental Uma das Marias foca na história de Maria Hartmann, hoje com 83 anos de idade, que trabalhou durante quase metade de sua vida no Juquery.
Na tentativa de recuperar uma memória familiar e coletiva, sua neta, Amara, investiga os motivos que fizeram essas dores se perderem no tempo, por meio de dispositivos cênicos e documentais. A direção e montagem é de Luca Scupino com produção da Romã Atômica. O filme tem exibição no dia 24 de agosto a partir das 10h no MAOC - Museu de Arte Osório Cesar.
“Minha avó se sentiu muito vista no período de gravação e de construção do documentário. Ela sempre se via como a esposa de alguém, as mulheres idosas, as viúvas, elas têm muito esse movimento de perder um pouco essa questão da identidade, de quem eu sou, até por serem de outra geração. Contar essa história foi uma forma dela se ver como um indivíduo, não como parte de alguma coisa, mas o que ela gostava.”, afirma Amara.
O curta-metragem conta com uma estrutura de cinco atos e tem objetivo explorar as diferentes facetas relacionadas à memória do Juquery, partindo das lembranças turvas de Maria Aparecida Martins Hartmann para buscar seu contraste com a imagem pública da instituição. Além das entrevistas, o documentário navega por um ensaio que mostra
fotografias, imagens de reportagens do Juquery e revelam a dureza do local.
A ficção entra em cena com uma performance que caminha pela impossibilidade de alcance de uma memória concreta, de uma apreensão do sofrimento que se deu naquele lugar, por parte dos pacientes e funcionários. Um dos atos incorpora o cinema-verdade ao levar de volta Maria e as antigas colegas de trabalho ao Juquery que se encontra desativado, uma ação que revive memórias de nostalgia e angústias.
“O que mais existia em toda essa narrativa familiar eram lacunas, eram memórias que não podiam ser atingidas, que não podiam ser compreendidas devido a todo um processo de apagamento público, mas também privado, sobre o que aconteceu naquele espaço. Então a gente entendeu que mais do que um filme sobre a memória, esse é um filme sobre
ausência. Neste espaço, entra a ficção, um dispositivo para se alcançar uma memória que já não existe mais, ou para tentar ter um leve vislumbre do que pode ter acontecido. O projeto adota vários estilos, uma forma de fazer uma espécie de declaração de que talvez não exista uma única forma de entender essa história, entender a realidade”, ressalta Luca Scupino.
Amara Hartmann é uma artista e pesquisadora e sempre reflete sobre o Juquery em seus trabalhos. Unindo literatura infantil, contação de história e aula de escrita criativa, Maria E As Doze Flores foi um projeto múltiplo e poético que trouxe uma trama sobre enfrentar os próprios medos, protagonizada por uma menina que acompanha sua mãe no local de trabalho: o Hospital Psiquiátrico do Juquery. O livro foi escrito por Amara, que também atuou na contação dirigida por Gustavo Belschansky.
Os estigmas da região de Franco da Rocha têm modificado aos poucos e se distanciando da ideia pejorativa gerada pelo Juquery. “A relação da população com o seu passado começou a mudar. A cidade tem um motivo de orgulho quando se fala em luta por direitos das pessoas com doenças psiquiátricas, ou da batalha para quebrar o tabu contra a saúde mental”, conta Amara.
Luca Scupino iniciou o projeto como pesquisador, observador externo, alguém que estava se aventurando em um terreno desconhecido, todavia esse olhar se alterou. “Quanto mais entrava nesse universo, fui descobrindo mais sobre o assunto e sobre meu próprio ciclo de convivências. Familiares meus passaram pelo Juquery e, possivelmente, passaram pela Maria. O filme, como um todo, foi uma tentativa de conciliar essas diferentes visões”.